domingo, 17 de maio de 2009

UM GÊNIO SOB ATAQUE


Depois de apresentar o pior resultado da história, Warren Buffett assume o desafio de provar que continua sendo o maior investidor de todos os tempos.
Publicado em www.portalexame.com.br
Por Giuliana Napolitano, de Omaha

Revista EXAME -

Mais de 35 000 pessoas aguardavam Warren Buffett, o maior investidor de todos os tempos, no ginásio Qwest Center, em Omaha, uma rica cidade do Meio-Oeste dos Estados Unidos, na manhã de 2 de maio. Como é comum em aglomerações desse tipo, os acionistas de sua empresa de investimentos, a Berkshire Hathaway, falavam ao mesmo tempo e, juntos, produziam um ruído que podia ser ouvido a centenas de metros de distância. Assim que Buffett colocou o pé numa das extremidades da quadra, exatamente às 8h30, fez-se um silêncio imediato. Andando rápido, sentou-se ao lado do

sócio de longa data, Charles Munger, e começou a 29a reunião anual da companhia num clima de cobrança pouco visto até então. "Queremos que ele explique o desempenho ruim do ano passado", disse o aposentado americano Jim Jacobsen, acionista da Berkshire desde 1997. Jacobsen e sua mulher estavam ansiosos.

Haviam chegado ao Qwest Center às 5 da manhã para garantir um bom lugar em meio à multidão de investidores vindos de todas as partes dos Estados Unidos e do mundo. Em 2008, a Berkshire perdeu 11,5 bilhões, o que diminuiu seu valor patrimonial em 10%, o pior resultado desde que foi fundada, em 1965. Diante da multidão, Buffett não fez rodeios: "Cometi erros", disse. Ele também sofreu um duro golpe da agência de classificação de risco Moody’s, que rebaixou o rating de sua companhia pela primeira vez. (A Moody’s, da qual Buffett é um dos principais acionistas, tornou-se uma pedra no sapato por esse e por outro motivo: não é confortável ser sócio de uma empresa que vem sendo apontada como uma das vilãs da crise.) "Nunca achei que isso fosse acontecer, mas aconteceu", declarou Buffett.
Ao longo de quase meio século, Warren Buffett construiu uma aura de infalibilidade. Graças ao descomunal bom senso e ao fabuloso índice de acertos dele, os investidores sentiram-se no direito de acreditar que tudo poderia dar errado num ano como o de 2008 - menos as apostas de Buffett. "Árvores não crescem até o céu", ele costuma dizer. Agora, aos 78 anos de idade e dono de uma fortuna de 37 bilhões de dólares, Buffett tem de explicar por que sua árvore parou de crescer e como ele pretende fazer com que ela volte a dar frutos. A tradicional reunião de Omaha é o palco global escolhido para que ele faça isso.

Ao longo de quase 7 horas, Buffett e Munger responderam a mais de 50 perguntas de acionistas, algumas sobre a crise econômica, mas a maioria cobrando explicações. "Você acha que aplicar de forma tão agressiva em derivativos é uma estratégia apropriada?", perguntou um investidor - esses contratos, que são de altíssimo risco, geraram prejuízo de quase 5 bilhões de dólares para a Berkshire em 2008. Outro acionista quis saber por que a companhia manteve sua participação na Moody’s mesmo depois de a agência ter errado na avaliação de centenas de títulos imobiliários. E um terceiro perguntou se a estratégia de comprar ações para mantê-las em carteira "para sempre", algo que Buffett diz ser seu objetivo, era mesmo tão eficiente. O gênio está sob ataque. "Ele está exposto em várias frentes: precisa justificar sua habilidade como gestor de negócios, explicar suas estratégias e até o que será de sua companhia quando ele não estiver mais lá", disse a EXAME Alice Schroeder, que passou cinco anos entrevistando Buffett e pessoas ligadas a ele para escrever a biografia Bola de Neve, publicada em 2008.

Além do desempenho financeiro ruim, o que surpreendeu investidores, gestores de recursos e especialistas do mercado financeiro que acompanham a Berkshire foram alguns investimentos pouco ortodoxos feitos no ano passado. A Berkshire é uma gigantesca companhia que aplica em dezenas de empresas de diferentes tamanhos, perfis e setores. Detém fatias relevantes do capital de empresas de capital aberto, como American Express, Coca-Cola e Procter&Gamble, e é dona de mais de 50 companhias pouco conhecidas, como a rede de fast food Dairy Queen, a seguradora americana Geico, a rede de joalherias Borsheim’s e até a fabricante das facas Ginsu. Somado, o faturamento do grupo foi de 108 bilhões de dólares em 2008. O que une negócios tão distintos é uma filosofia de investimento de certa forma simples: aplicar em empresas bem administradas, baratas e que atuem em setores conhecidos por Buffett e Munger, um discreto e sarcástico advogado de 85 anos, que há décadas atua como uma espécie de alter ego do sócio famoso. O objetivo nunca foi assumir grandes riscos nem operar no curtíssimo prazo, mas montar um portfólio que gerasse retornos consistentes. Em resumo: o lema da Berkshire sempre foi o oposto do que se viu na recente era dos excessos financeiros. Em termos de valores, a Berkshire sempre pareceu uma seita puritana - Buffett era o pastor à sua frente. Os ganhos de longo prazo é o que importava. As empresas precisavam fazer sentido, oferecendo algo que o mercado quisesse realmente comprar. A reputação era o principal ativo. Os executivos tinham de ser bons e comprometidos com o negócio e com o acionista.

Em 2008, porém, Buffett mantinha 251 contratos de derivativos ligados a ações e operações de crédito - títulos muito parecidos com aqueles que levaram dezenas de instituições financeiras à ruína nos últimos meses e que, há poucos anos, o próprio Buffett havia chamado de "armas de destruição em massa" por expor os investidores a riscos muito elevados. A Berkshire também comprou 10% de uma obscura fabricante chinesa de baterias e carros elétricos, a BYD, por 230 milhões de dólares. Fundada em 1995 pelo engenheiro Wang Chuan-Fu, com 300 000 dólares levantados entre parentes, a BYD se tornou uma das maiores fabricantes de baterias para celular do mundo e, recentemente, desenvolveu um modelo de carro elétrico de baixo custo. Ao colocar dinheiro na empresa, Buffett foi contra um de seus maiores mandamentos: conhecer a fundo os negócios nos quais aplica e os responsáveis por comandá-los. Pouco depois de assinar o contrato, ele admitiu não entender direito como a tecnologia usada pela BYD funciona e saber pouco sobre Chuan-Fu. "Pode parecer que ficamos loucos, mas sabemos o que estamos fazendo", diz Munger, o arquiteto do investimento na BYD e um entusiasta confesso da nova China.

Quanto mais longo é o histórico de sucesso de um negócio, mais próximo está o dia em que erros serão cometidos. A grande pergunta é se esse dia teria chegado para Buffett e seus sócios. Os críticos e os milhares de investidores que perderam dinheiro adiantaram-se em dizer que sim. Mas basta olhar para o passado para comprovar que essa é uma resposta temerária. Esta é a segunda grande prova de Buffett. Na primeira, durante a bolha da internet, no final da década de 90, ele foi chamado de conservador e ultrapassado. Enquanto o mundo estava extasiado com o surgimento e a valorização das empresas pontocom, Buffett se recusava a colocar dinheiro em negócios que, para ele, não faziam o menor sentido. Melhor amigo de Bill Gates - sua alma gêmea, em sua própria definição -, Buffett não sabia sequer ligar um microcomputador. Foi dobrado por Gates, que o convenceu com o argumento de que ele poderia jogar bridge na hora em que desejasse. Buffett, porém, continuou sem comprar ações de empresas de tecnologia por desconfiar de sua rápida obsolescência e - por consequência - desvalorização. "Procuramos negócios mais previsíveis, que não devem passar por grandes mudanças nas próximas décadas. Isso significa que perdemos oportunidades, mas também significa que perdemos menos dinheiro - o que é uma grande ajuda quando se olha para o longo prazo", disse Buffett em 1999.

Pouco tempo depois, com o estouro da bolha e o mergulho da economia americana numa das maiores crises das últimas décadas, Buffett saiu do episódio regenerado - e mais forte do que nunca. Afinal, ele tinha fatos e números a seu favor. Mesmo as ações das maiores empresas de tecnologia do mundo - Microsoft, Cisco e Intel - jamais retornaram aos patamares de pico alcançados durante a bolha. Buffett não ganhou com elas - mas, ainda melhor, não perdeu. Quem aplicou 1 000 dólares nos papéis da Berkshire em 1965 acumulou cerca de 780 000 dólares até hoje em termos reais - um retorno de 78 000%. No mesmo período, o índice S&P 500, da bolsa de Nova York, subiu 50%.

É possível que Buffett esteja passando hoje por um momento parecido com o da bolha da internet - e que os resultados dos investimentos que ele fez em 2008 só apareçam daqui a alguns anos. "Foi o que ele tentou mostrar na reunião anual, e isso acabou tranquilizando muita gente", diz Marcelo Lima, acionista brasileiro que participa de diversos fóruns internacionais de discussão sobre o desempenho da Berkshire Hathaway. Uma das promessas de rentabilidade são os oportunistas aportes de capital feitos no banco Goldman Sachs e na General Electric, que bateram à porta da Berkshire atrás de socorro financeiro no auge da crise global. "Conseguimos condições extraordinárias", disse Buffett, que negociou o direito de receber dividendos e comprar mais ações das duas companhias nos próximos cinco anos por um preço inferior ao da data de seu investimento. Sobre os derivativos - as "armas de destruição em massa" -, argumentou que os preços pagos pelos contratos foram baixos e que seus riscos para o patrimônio da empresa são pequenos. "Os derivativos são um problema para o mundo, mas usaremos esse tipo de contrato sempre que acharmos vantajoso. Nosso trabalho é ganhar dinheiro no longo prazo, e a chance de lucrar com essas posições é alta."

Olhar mais para fora dos Estados Unidos parece ser outra nova aposta de Buffett e Munger - e, segundo pessoas próximas a eles, é possível que o Brasil esteja nos planos. "Buffett começou a dedicar parte de seu dia a estudar empresas estrangeiras em 2003. Mas essas pesquisas são feitas sem pressa e, claro, em segredo", diz Alice Schroeder. Sabe-se que ele começou suas análises pela Ásia porque fez alguns investimentos na região. "Nunca estive no Brasil, mas fui convidado recentemente e vou aceitar", disse Buffett a EXAME, logo após a reunião anual. "Estou presente no país por meio dos negócios internacionais das empresas nas quais invisto, como a Coca-Cola. Sei que há grandes negócios no Brasil, mas aparentemente eles não estão à venda. Se a oportunidade se apresentar, estarei aberto. Há países onde eu não estaria devido ao risco cambial. Não é o caso do Brasil. Já fiz investimentos em reais e estou confortável com a moeda."

Buffett mantém contato há anos com o empresário Jorge Paulo Lemann, ex-banco Garantia, ex-GP e hoje um dos controladores da ABInBev, maior cervejaria do mundo. Como os maiores acionistas individuais da Gillette, os dois foram membros do conselho de administração da empresa antes que ela fosse vendida para a Procter&Gamble, em 2005. "Lemann é um dos homens de negócio mais extraordinários que conheço", diz. Buffett também conhece o banqueiro Pedro Moreira Salles, presidente do conselho do Itaú Unibanco, e Marcelo Medeiros, ex-sócio do banco Garantia, que foram a Omaha neste ano, junto com outros investidores brasileiros, para participar da reunião anual da Berkshire. Na sexta-feira, um dia antes do evento, Moreira Salles e Medeiros tiveram uma reunião privada com Buffett no escritório dele, localizado no 14o andar do Kiewit Plaza, um dos poucos prédios de mais de dez andares de Omaha, cidade marcada por construções térreas e casas de madeira. Os três conversaram sobre a crise econômica, o mercado financeiro dos Estados Unidos e sobre o Brasil - Buffett teria elogiado a ABInBev.

Até hoje, a presença internacional da Berkshire é mínima. Embora a companhia não divulgue detalhes, sabe-se que, fora a chinesa BYD, ela mantém participações na coreana Posco, uma das maiores siderúrgicas da Ásia, e em pequenas firmas israelenses. "Não acordo de manhã dizendo: ‘Vou colocar dinheiro neste ou naquele país’. Invisto quando aparece uma oportunidade que faça sentido", diz Buffett. A predominância de empresas americanas - muitas delas sediadas em estados do Meio-Oeste - fica evidente numa espécie de feira de exposições montada no Qwest Center ao lado do ginásio em que ocorre a reunião anual. O galpão de 18 000 metros quadrados foi dominado por estandes de lojas como a da revendendora de móveis e eletrodomésticos Nebraska Furniture Mart, da marca de botas Justin Brands e da fabricante de doces See’s Candies. No estande da Justin Brands, havia até um pasto artificial com bois e cavalos. "Nosso objetivo é vender e o Warren sempre quer saber o que vamos trazer de novo para a exposição, ele adora isso", disse a EXAME Randy Watson, presidente da empresa.

Dependendo de quanto tempo Buffett levar para colocar em prática a expansão internacional da Berkshire, é possível que ele não esteja mais à frente da empresa para contabilizar os resultados da estratégia. Buffett acumula os três principais cargos da companhia - presidente do conselho, presidente executivo e diretor de investimentos - e é cobrado para definir sua sucessão, embora não dê nenhum sinal de que pretenda se aposentar. "O Warren não vai sair de cena tão cedo. No seu funeral, ele quer que as pessoas digam: ‘Puxa, esse é o defunto mais velho que eu já vi!’ ", diz Munger. Pessoas próximas a Buffett dizem que ele vem planejando sua sucessão há anos. Ele já teria escrito uma carta, cuja introdução é "Ontem eu morri", que traz orientações sobre como os negócios devem ser conduzidos em sua ausência. "Essa questão gera muita ansiedade, porque Buffett é a alma e o coração da Berkshire", diz Jeff Mathews, gestor de um fundo de hedge e autor de Pilgrimage to Warren Buffett’s Omaha ("Peregrinação à Omaha de Warren Buffett", numa tradução livre).

Durante a reunião em Omaha, Buffett disse ter três profissionais em mente para ocupar o posto de presidente executivo. "Não vou divulgar mais do que isso", declarou. Em diversos eventos paralelos de investidores e gestores de recursos que ocorreram na cidade no fim de semana da reunião anual, os nomes mais citados para substituí-lo eram os de três presidentes de negócios controlados pela Berkshire: David Sokol, da companhia energética MidAmerican, o indiano Ajit Jain, responsável pela unidade de resseguros, e Tony Nicely, da seguradora Geico. Em comum, os três têm o fato de comandar operações bem-sucedidas e de grande porte - juntas, elas geraram quase a metade das receitas da Berkshire em 2008. Também são seguidamente elogiados por Buffett e Munger. Sobre Jain, engenheiro de 57 anos com passagem pela subsidiária indiana da IBM e pela McKinsey, Munger já disse que um dos melhores investimentos já feitos pela Berkshire foi a comissão paga ao headhunter que o contratou. "Eu poderia tentar treinar alguém para assumir o meu lugar. Mas o que essa pessoa faria? Sentaria do meu lado no escritório e me veria ler? Seria ridículo", disse Buffett.

Parece piada, mas não é. O fato é que, hoje, não há ninguém que consiga fazer o que Buffett faz. Seu trabalho não é apenas garimpar boas oportunidades de investimento nas bolsas de valores e fora delas, mas administrar as dezenas de empresas que a Berkshire controla. Não é à toa que, há anos, milhares de investidores reservam o primeiro sábado de maio para ouvir o que ele tem a dizer - e continuou assim neste ano, apesar dos resultados ruins de 2008 e da desconfiança sobre 2009. "Saber o que ele pensa sobre a crise atual é uma lição valiosa", diz Bruno Vargens, analista da gestora de recursos Fama, de São Paulo, e um dos 35 000 investidores presentes no evento. Buffett não faz previsões catastróficas para os próximos meses, mas está longe de ser otimista. "O ambiente econômico mudou e isso afetou nossos negócios, alguns de maneira permanente. Houve demissões em empresas que controlamos, especialmente naquelas voltadas para o consumo", disse. "Não acredito que teremos um bom desempenho em 2010. Se ficarmos 2 pontos acima do mercado, será ótimo. Retornos de 10% acima da média da bolsa são coisa do passado." É Buffett mais uma vez alertando seus seguidores de que as árvores não podem crescer até o céu. Mas isso não significa que ele não tenha esperança de que - com alguma sorte e decisões acertadas - elas possam crescer um pouquinho mais. Em 2008, a Berkshire Hathaway investiu mais de 20 bilhões de dólares na compra de títulos e participações em empresas como GE e Goldman Sachs. "Estamos comprando empresas em liquidação", afirmou. "Não sei o que vai ocorrer no mercado no próximo ano, mas sei que temos uma economia que funciona e sei que, no longo prazo, as pessoas vão viver melhor."

Os acionistas da Berkshire também ouviram uma série de conselhos genéricos de Buffett e Munger durante a reunião - quase todos ditos com ironia e em meio a piadas. No início da manhã de sábado, Buffett disse que ter um alto QI era a receita para o fracasso no mundo dos investimentos. "Se você precisar de uma calculadora para saber se vale ou não a pena comprar um negócio, não deve comprá-lo. Quando um investimento é bom, ele salta aos olhos", disse. Munger, tão lacônico quanto Buffett é falante, completou: "Eles ensinam esses cálculos nas escolas de negócios porque precisam ocupar o tempo dos alunos".

A dobradinha Buffett-Munger - ou Warren e Charlie, como eles são chamados pelos acionistas no Qwest Center - funciona nas reuniões como tem funcionado ao longo de mais de três décadas de sociedade. Eles criaram personagens e números que representam à frente de uma plateia que cresce a cada ano. Buffett é atencioso, falante e bem-humorado. Depois de passar 7 horas respondendo a perguntas na arena, ele faz uma pausa de 30 minutos e segue para uma sala no 2o andar do estádio, onde assina de livros a notas de dólar de investidores estrangeiros. Neste ano, ele deu mais de 1 000 autógrafos em cerca de 2 horas. Sua disposição é impressionante para quem tem sua idade e seus hábitos. Buffett vive de hambúrger, batatas fritas, Cherry Coke e balas. O ranzinza Munger é seu oposto. Os dois nasceram em Omaha, mas Munger vive em Pasadena, na Califórnia, onde é presidente do conselho de uma das empresas da Berkshire, a Wesco Financial, grupo que reúne diversos negócios, entre eles uma seguradora, um armazém e uma firma de aluguel de móveis.

Com 800 000 habitantes, Omaha tem uma longa lista de milionários. "Os primeiros acionistas da Berkshire eram amigos e parentes de Buffett na cidade e muitos continuaram com ações da empresa até hoje ou as deixaram de herança para seus filhos e netos", diz David Brown, presidente da Câmara de Comércio local. Estão sediadas ali outras três empresas que fazem parte da lista das 500 maiores companhias americanas da revista Fortune - a rede de ferrovias Union Pacific, a construtora Peter Kiewit Sons e a indústria de alimentos ConAgra Foods -, mas nenhuma delas chama tanta atenção para Omaha como a Berkshire. "Em maio, temos nosso segundo Natal no ano", disse a EXAME Susan Jacques, presidente da Borsheim’s, que tem sua única loja em Omaha.

O filho mais novo de Buffett, Peter, está entre os empreendedores que aproveitam a presença dos milhares de acionistas da empresa de seu pai na cidade. Na noite da reunião, o pianista e cantor Peter fez um show de cerca de 2 horas, no qual apresentou algumas de suas músicas estilo new age e contou histórias sobre a vida em família. As melhores, claro, são ligadas a dinheiro. "Meu pai apoiou a decisão de me tornar músico, mas não me financiou. Nas reuniões com empresários do setor, quando eu digo que preciso de recursos para algum projeto, sempre ouço: ‘Fala sério!’ " Com ou sem crise financeira, não há nenhum sinal de que a reunião anual em Omaha irá perder seu brilho. Por seu histórico e carisma, Buffett continua sendo uma bússola para seus acionistas e para milhões de investidores em todo o mundo. Enquanto ele estiver à frente da Berkshire, a peregrinação a Omaha deve continuar - até porque todos querem ver como Buffett se sairá diante de um dos maiores testes de sua carreira.

ELE É O CARA


O Oráculo de omaha:
Buffett brinca com o baralho e admite:
"Dormi no ponto"


As cartas de Buffett
Gênios também perdem dinheiro nas crises. O que torna o megainvestidor americano tão diferente dos outros?

Milton Gamez da Isto É Dinheiro

A crise do subprime pegou dois gênios das finanças americanas pelo contrapé: Bernard Madoff e Warren Buffett. Madoff, o gênio do mal, viu ruir seu castelo de cartas, que enganou milhares de investidores durante décadas e desapareceu com estimados US$ 50 bilhões. Buffett, o gênio do bem, também perdeu dinheiro no ano passado, o pior em 44 anos, mas continua dando as cartas do jogo no capitalismo americano. As ações da sua companhia de participações, a Berkshire Hathaway, caíram 32% em 2008, mas o fascínio dos seus seguidores continua em alta. No primeiro fim de semana de maio, o caipira mais rico do mundo atraiu 35 mil investidores para Omaha, em Nebraska, para mais um encontro anual com os acionistas de seu negócio, um gigante com US$ 122 bilhões. Deu um show.
Ações da Berkshire Hathaway caíram 32% em 2008,mas seu fascínio continua em alta

Aos 78 anos, o Oráculo de Omaha debochou do próprio desempenho. "Não me cobri de glórias em 2008", admitiu. No melhor estilo do Velho Oeste, espalhou cartazes de "Procura-se" com seu retrato e o do sócio Charles Munger, 85 anos, pelos salões. Projetou um filme satirizando a crise e ele mesmo, retratando- se no papel de vendedor de colchões. "Dormi no ponto e alguns perderam dinheiro por isso", justificou. Ele oferece a uma cliente um colchão com esconderijo para dinheiro e ações (no seu caso, escondeu também duas Playboy antigas). Durante cinco horas, eles responderam a perguntas diante de 18 mil pessoas que lotaram um ginásio de esportes. Coçando a orelha, bebendo Cherry Coke e comendo biscoitos, os dois velhinhos não se furtaram a responder questões difíceis e deram uma lição de economia. Na visão do enviado especial do The New York Times, Andrew Ross Sorkin, o recado principal da dupla foi este: manter a simplicidade é a melhor estratégia financeira. Nada de aplicações de difícil compreensão, como os derivativos imobiliários exóticos que misturaram contratos imobiliários de bons e maus pagadores (os subprime) e quebraram bancos americanos. "Se você precisa usar um computador ou uma calculadora para fazer a conta (se vale a pena), não deveria comprar (o ativo)", ensinou Buffett. Embora críticos, os dois demonstraram muito otimismo com o futuro. "Há ainda muita coisa errada no mundo, mas é o único que temos. Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas sei que cada vez mais vamos viver melhor e melhor, pois esse é o sistema que liberta o potencial de todos. Até a China descobriu isso. Teremos dias ruins no capitalismo, mas, de modo geral, estamos progredindo rapidamente", filosofou Buffett. Munger endossou, com uma dose de sarcasmo: "Agora que estou cada vez mais perto da morte, me sinto cada vez mais otimista com o futuro da economia."